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Políticas da memória: estudos sobre o colonialismo e o
pós-colonialismo na América Latina

Coordenação: Sheila Cabo Geraldo - UERJ

A investigação volta-se para a elaboração de leituras históricas e críticas de obras de arte contemporâneas, especialmente daquelas dos anos 1960 e 1970, relacionadas a políticas de memória, interessando-se, sobretudo, pelas produções que lidam com questões da violência, do colonialismo e do pós- colonialismo na América Latina (Brasil, Argentina e Chile). Os conceitos de imagem dialética e história como montagem (Walter Benjamin), de pathosformel (Aby Warburg) e museu imaginário (André Malraux) são referências teóricas do projeto, norteado pela interrogação: qual história da arte daria conta das obras de arte contemporâneas no contexto pós- colonial, considerando a possibilidade de transformação não só estética, mas também política e social, apesar do anunciado fim das utopias modernas? Para responder essa questão, considera-se, ainda, como parte fundamental do corpus teórico, as referências sobre memória das ditaduras na América Latina, que estão diretamente relacionados com os debates sobre colonialismo, pós-colonialismo e descolonização.

 

O projeto intitulado “Políticas da memória: estudos sobre colonialismo e pós- colonialismo na América Latina” dá continuidade e aprofunda aspectos do projeto maior “Arte e história na contemporaneidade: implicações políticas”, desenvolvido com o apoio das bolsas Prociência (Uerj-Faperj) e Produtividade (CNPq).


Partindo das pesquisas que se poderia resumir na prática teórica de ativar a transversalidade entre arte e história, pretende-se dar continuidade ao projeto objetivando desdobrar o terceiro de seus três eixos. O primeiro refere-se a reativação de eventos e práticas de artistas ou grupos de artistas dos anos 60 e 70 a partir da criação de dispositivos historiográficos, como arquivos de dados, que já vem sendo realizado. O segundo eixo refere-se à reativação de práticas historiográficas, objetivando o aprofundamento teórico da relação entre arte, história e imagem, através da análise dos estudos de Walter Benjamin (história como montagem e imagem dialética), Aby Warburg (pathosformel) e André Malraux (museu imaginário). Esse é um eixo fundamental para o desenvolvimento do terceiro, que propomos desenvolver nesse período, e que recai na prática de ativação crítica de obras e eventos artísticos, que estejam perpassados pelos discursos de história, enquanto discursos de memória e trauma, especialmente daquelas obras e projetosmarcados pela violência das ditaduras na América Latina, diretamente ligadasaos debates e teorias pós-coloniais.

 

Como escreveu Andreas Huyssen, há um elo complexo entre a política racial nazista, o Holocausto e a violência colonialista. No caso dos países da América Latina, que já tem mais de duzentos anos de independência, não caberia falar de colonialismo agora, mas de acordo com as teorias desenvolvidas a partir dos anos 1970, de pós-colonialismo, cuja ênfase está nas marcas deixadas nas sociedades independentes, as quais construíram seus processos de modernidade sob os rastros da violência colonial. Essas marcas se revelam na permanência das relações escravistas, nas relações raciais, de identidade de gênero, etc. Interessa-nos, assim, também, observar projetos e obras dos anos após 1980, quando os estudos sobre a memória ganham densidade teórica, mas também voltam-se para as práticas que relacionam memória e direitos humanos, abrindo novos caminhos na sociedade pós-utópica, seja para a ação dos grupos e comissões de memória e justiça, seja para as ações artísticas relacionadas à memória do trauma colonial que se reativa enquanto marcas pós-coloniais durante o período das ditaduras e que, muitas vezes veladamente, ainda são identificadas nesse novo milênio.

 

Metodologicamente, os três eixos do projeto acabam por determinar duas linhas de ação concomitantes e interdependentes. Uma refere-se ao levantamento de obras e processos artísticos (o arquivo), a outra à ativação de estudos teóricos, críticos e historiográficos. Mas o processo de tratamento de arquivo não pode ser independente do processo de investigação histórico- epistemológica, necessária para dar conta da aproximação das obras e operações artísticas. Tal investigação inclui a ativação de operações teóricas e históricas que sejam capazes de construir as evidências artísticas e poéticas das obras e processos artístico. A metodologia que tal estudo requer passa, portanto, pela prática de reflexão historiográfica, sempre associada à prática da crítica de arte.

 

De uma maneira muito apropriada para a discussão das obras que remetem à memória da violência e do trauma – seja dos traumas históricos do século XX, como os do holocausto judaico e genocídio armêmio – seja dos traumas de violência das ditaduras da América Latina, a história das imagens que proponho aqui continuar a desenvolver, procura encontrar, como propôs Didi-Huberman, a partir de Benjamin e Aby Warburg, semelhanças que podem estar submersas, o que inclui admitir que a história também é feita de ressonâncias e contradições, não só de influências e analogias. É apoiado nesse estudo historiográfico que se pode observar os projetos atísticos e imagens do período de 1960 e 1970, mas também aqueles que afloraram após 1980, não como uma derivação direta do que os artistas dos anos sessenta e setenta fizeram, mas como uma espécie de emergência de fantasmas, quefazem ressoar as mais intensivas formas de arte. Foi principalmente a partir dos estudos de Aby Warburg que se chegou às propostas descritas nesse registro, já que o historiador alemão introduziu na história da arte o que foi chamado de “modelo fantasmático”, para o qual acorrem pensamentos incertos e conflitantes, próximos do que Freud teorizou como sintomas, ou seja, Warburg propõe uma história de emergências de conflitos que se dá nas aproximações entre imagens. O fantasmático na história é, para Warburg, assim, coincidente com uma espécie de exumação de documentos de arquivo, quando aflora o pathos dos “timbres de voz inaudíveis, vozes desaparecidas, vozes ocultas em uma grafia ou em movimentos particulares de um diário íntimo....” (Didi-Huberman). Nessa perspectiva, as imagens levam o historiador para a emergência de um conjunto de processos tensos, para uma história temporalmente repleta de desorganizados “agoras”, como escreveu Walter Benjamin. Não podendo mais a história se fechar em si mesma, passa, então, a ser um encontro de instâncias, abertas e sobreinterpretativas (interpretações das camadas de sentido)

Para complementar o estudo historiográfico necessário à escrita da história dos objetos e projetos artísticos fez-se necessário, ainda, lançar mão da leitura de André Malraux, especialmente de seu livro Museu Imaginário, de reproduções fotográficas, publicado logo depois da Segunda Grande Guerra. É com base na homogeneidade fotográfica que Malraux pensa ser possível fazer a história da arte por aproximação, seja de objetos materialmente diversos, seja de imagens temporalmente dissemelhantes. Mas, talvez, sua principal relevância seja uma espécie de montagem visual experimental, que o faz pensar ser possível dar conta de uma herança cultural maior e mais expandida que a produção occidental, de matriz greco-latina. O Museu, formado por fotografias de obras de várias civilizações e culturas, cria, como escreveu Malraux, “um estilo babilônico”, lançando uma forma de pensar a arte por imagens que abre a história da arte para novos objetos e novos territórios geográficos e simbólicos.

Os estudos da obra dos historiadores Walter Benjamin e Aby Warburg, que já vinham sendo desenvolvidos e aos quais se acrescentou a de André Malraux, desencadearam a reativação histórica de artistas brasileiros atuantes nos anos 1960 e 1970, especialmente de Carlos Zilio, Antônio Dias, Artur Barrio, Antônio Manuel e Cildo Meireles, por suas implicações políticas no final de 1960 e início de 1970, assim como de eventos como Do Corpo à Terra e Apocalipopótese, que romperam na história da arte brasileira contemporânea com a primazia dos espaços institucionais, abrindo caminho para uma certa visão heterotópica (Foucault) na arte. Foram esses estudos históricos que acabaram por fazer aflorar para arte brasileira a memória da violência após 1980, como nas experiências de Rosana Paulino, que trata da permanência da violência escravocrata no Brasil, de Paula Trope, que investiga a condição das crianças sob a violência do abandono, de Rosana Palazyan, cuja herança familiar é a do genocídio armênio, de Leila Danziger, cuja memória contada do holocausto judaico perpassa muitos de seus trabalhos.

 

Durante os últimos anos, entretanto, a aproximação da obra de artistas de outros países da América Latina, tanto ativos nos anos 60 e 70, quanto nos últimos anos, vivendo ou não em seus países de origem, desencadeou o processo que Anna Maria Guasch chamou de história-arquivo, levando- nos ao encontro de Graciela Carnevale (Argentina) e do arquivo Tucumán Arde, sob sua guarda; de Luis Camnitzer (Uruguai); Leon Ferrari (Argentina); Lotty Rosenfeld (Chile); Coletivo No+ (Chile); Juan Downey (Chile), mas também das ressonâncias desses projetos de resistência à censura política, que impulsionaram reações em arte à restrição da liberdade, quase sempre em operações-combate, o que se pode verificar nas obras de Alfredo Jaar (Chile), Liliana Porter (Argentina), Doris Salcedo (Colômbia), coletivo Siluetazo (Argentina), e outros.


A relação histórica e crítica entre artistas latino-americanos abre nesse momento o projeto também para os autores de teoria e história da arte que tratam dos países sul-americanos, mas também, e sobretudo, para os estudos do teórico argentino Walter Mignolo, que aponta para os conceitos de (des)colonização, pensamento fronteiriço e desobediência epistemológica, que, como ele mesmo diz, só poderiam ser desenvolvidos a partir de países cuja cultura – e a arte – tivessem se formado sob a égide da colonização política e ideológica. Pensando nas relações de fronteira e na possibilidade de um pensamento e produção artística que transborde as fronteiras geopolíticas é que nos propomos a estabelecer relações históricas de proximidade entre os artistas brasileiros estudados nesse projeto e aqueles latino-americanos de fala espanhola, que listamos acima, ampliando, assim, o escopo dessa pesquisa. Nesse sentido, já se encaminhou os contatos institucionais com o arquivo Tucumán Arde, na pessoa de Graciela Carnevale, assim como já se iniciaram os contatos para levantamentos nos arquivos argentinos sobre Leon Ferrari e nos chilenos sobre Lotty Rosenfeld e Juan Downey. Faz parte desse projeto, portanto, complementar ainda essas informações, o que se daria em estadia nas cidades de Buenos Aires, Rosário, e Santiago do Chile e, possivelmente Montevideu e Bogotá.

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