Constelações latino-americanas na Figuração Brasil-Argentina: anos 60-70
Adalgiso Pereira Júnior
A retomada da figuração no início da década de 60 é um fenômeno bastante conhecido das artes visuais e se baseia, entre outras coisas, em uma guinada que buscava questionar certa organização racional e moderna de um pós-guerra imediato e das novas relações políticas que se desenhavam no conturbado cenário internacional à época. De França, movimentos como Nouveau Réalisme e Figuration Narrative traziam um uso crítico desta figura. No cenário portenho, movimentos como Otra e Nueva Figuración apresentavam nexos com certa “atitude conceitual”, evidente nos discursos visuais de artistas como Luis Felipe Noé. Já na Nova Objetividade Brasileira e Nova Figuração, artistas brasileiros de certa forma influenciados pela produção argentina um pouco mais amadurecida, mostraram em exposições como Opinião 65 trabalhos em crítica frontal à ditadura recém-instaurada; ao mesmo tempo em que assumiam, segundo Ceres Franco, uma poética e modos de fatura bastante peculiares e em nada sobre determinados pela forma como eram praticados na Europa daquele momento. Trata-se ainda, num como noutro país, de um sintoma da passagem ao que se denominaria pós-moderno em artes e vida, e que assumiria contornos de enfrentamento real face à certa "desesperança" causada pelos estados de exceção implantados na AL com suporte logístico e financeiro estadunidense.
As constelações aqui partem - sem o compromisso de um atrelamento - do conceito/método benjaminiano a partir das imagens, deslocadas de seu contexto original face a um “tempo de agora” e que podem, como nas Teses, produzir os “clarões” necessários a uma nova percepção/reconstrução da(s) História(s). Trabalhos como os de Noé, Deira, Macció, De La Vega, Berni, Claudio Tozzi, Roberto Jacoby, Carlos Alonso, Glauco Rodrigues, Wanda Pimentel, Charlie Squirru, Antônio Dias, Antônio Manoel, Rubens Gerchman, Kenneth Kemble, Nelson Leirner, Anna Maria Maiolino, Carlos Zílio dentre outros; e que revelam traços de um ethos autoritário local que extrapola a mera violência de Estado praticada pelos regimes à época. Constelações que se reafirmam, ainda, quando se pensa o agrupamento destas imagens nos dois países, impossível na época devido à censura, ditaduras e o exílio ao qual muitos desses artistas estavam assujeitados. Imagens onde se constata a força de uma arte que não se esgota no mero deslinde de seus contextos históricos - e cuja evocação revela assustadora atualidade face aos avanços autoritários mais recentes de norte a sul do continente americano.
Palavras-chave: Otra Figuración, Nova Objetividade, arte e política, arte latino-americana.